TRANSFERIBILIDADES: PRINCIPAIS ACHADOS

RESULTADOS DA EXPERIÊNCIA INTERVENTIVA-INVESTIGATIVA

A diversidade de contextos de implementação da ABRP, no âmbito do projeto EduTransfer, revela o crescendo da autonomia experimentada por jovens e profissionais que participaram no Projeto para explorar a metodologia da forma mais adequada aos seus contextos educativos e turmas. Nomeadamente, refere-se a realização de trabalho interdisciplinar sendo a Área de Integração a disciplina base; trabalho interdisciplinar, sendo as disciplinas tecnológicas o motor, com envolvimento na execução de projetos finais e sujeita a avaliação; no âmbito de Cidadania e Desenvolvimento; nos Domínios de Autonomia Curricular (sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável); no trabalho inter-turmas sobre questão-problema comum à escola (workshop intensivo) e no trabalho interdisciplinar com foco na interligação entre conteúdos curriculares de cada disciplina.

  1. Transferibilidade de práticas promissoras entre diversos contextos educativos

A experiência realizada entre jovens, profissionais e investigadoras, permitiu densificar o conceito abstrato de transferibilidade entre escolas, configurando agora enquanto dimensão que vai para além da relação entre escolas secundárias, escolas profissionais e centros de formação (como se apontou na candidatura), para passar a incluir, de forma mais explícita, as aprendizagens que acontecem entre estudantes, entre turmas, entre docentes da mesma escola, e entre cursos, extrapolando para as estratégias e práticas de ensino-aprendizagem. É ainda problematizada a transferência de saberes entre a equipa de investigação e as e os profissionais, encarada como um vaivém entre teoria e prática, onde se procura diluir a dominação simbólica, na tensão entre saberes científicos e pedagógicos, enfatizando, antes, a sua múltipla interpelação e complementaridade. Finalmente, é analisada a transferibilidade entre as escolas e as comunidades onde estão inseridas.

Transferibilidade de saberes e experiências entre jovens

  • O trabalho entre turmas e com colegas de anos letivos diferentes é referido por jovens como potencialidade da ABRP. Jovens de 10º ano reconhecem como estimulante o debate de ideias e argumentação com colegas de 11º ano.
  • Entre estudantes, essa aprendizagem entre pares foi conseguida através do trabalho em equipa restrita, da partilha na equipa-turma e também entre estudantes de diferentes anos, em que as e os mais velhos funcionaram como consultoras e consultores, i.e., amigas e amigos críticos. “Trabalhar em equipa com pessoas diferentes”, estimula a transferibilidade de saberes e experiências.
  • Também a experiência ABRP numa escola secundária com uma turma de um curso científico-humanístico e outra de um curso profissional permitiu aflorar o estigma ainda associado aos cursos profissionais.

Transferibilidade de saberes e experiências entre profissionais de cursos distintos

  • A troca de experiências entre profissionais de diferentes cursos foi vista pelas e pelos profissionais, tal como para as pessoas jovens, como contribuindo para a diminuição do estigma relativo à oferta profissionalizante.
  • Foram valorizadas as especificidades da abordagem científico humanística e da abordagem profissional e o seu potencial de aprendizagem mútua, para enriquecimento da experiência educativa jovem.

Transferibilidade nas instituições, para além das e dos profissionais do Projeto

  • Tipos de aprendizagem transferidos para o contexto profissional tais como trabalho colaborativo/em equipa com outros/as docentes, partilha de experiências, práticas, estratégias e metodologias, incluindo o uso de aplicações digitais em prática colaborativa, a importância da dinamização de projetos de forma interdisciplinar, a elaboração conjunta de documentos gerais de organização e de planificação, e a partilha pontual de práticas pedagógicas com docentes da escola que não integravam o Projeto. 
  • O trabalho e o entusiasmo das e dos profissionais que dinamizaram o Projeto teve a força de contagiar e criar curiosidade nos e nas profissionais que não participaram, mobilizando para a mudança das suas práticas.

Transferibilidade entre docentes e estudantes

  • Identifica-se o fomento da cumplicidade e cooperação entre docentes e estudantes, na qual é valorizada a autonomia permitida pela ABRP, em que as e os estudantes assumem responsabilidades e protagonismo.

Transferibilidades no currículo: saberes entre disciplinas  

  • A ABRP permitiu aprendizagens curricularmente rentáveis. Existe complementaridade nas perspetivas jovens acerca da necessidade de tempos específicos para a ABRP que não correspondam a uma sobrecarga de trabalho e substituição de aulas, e a possibilidade de mobilizarem para a ABRP saberes técnicos e científicos adquiridos nas diferentes disciplinas.

Transferibilidade mútua universidades e [outras] instituições educativas

  • Foi valorizada a articulação continuada entre escolas e universidade, envolvendo parcerias entre jovens, docentes e investigadoras. 
  • Estudantes apontam o contacto com as investigadoras como frutífero para a aprendizagem. 
  • Dá-se relevo à atenção à diversidade de perspetivas, à criação de espaços e modos de fazer e pensar diferentes, segundo lógicas de cooperação e diálogo entre pessoas adultas e jovens, que estimulam a participação na construção do saber.

Transferibilidade de propostas políticas entre instituições educativas e comunidade

  • Algumas instituições de educação e formação desenvolveram parcerias com instituições da comunidade, permitindo o contacto com o mundo exterior às instituições educativas e com os problemas reais da comunidade onde as e os estudantes se inserem, incluindo com órgãos do poder local.
  • Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) entram no quotidiano das escolas.
  • As e os jovens referiram como positiva a possibilidade de desenvolver experiências de ABRP em torno da sustentabilidade, dando visibilidade ao trabalho realizado nas escolas em torno dos ODS, que a agenda política (inter)nacional propõe. 
  • A participação jovem nas instituições educativas pode ser força motriz inspiradora das comunidades, estimulando uma vivência cidadã na educação, mediada pelo mundo.
  1. Autoria e apropriação na construção do conhecimento e a redução do abandono precoce da educação e formação
  • A questão da autoria e da apropriação jovem na construção do conhecimento tem sido reconhecida nos estudos académicos e nas orientações políticas como fundamental na redução do abandono precoce da educação e formação. Experiências educativas nesse sentido têm posto a ênfase nos interesses, saberes e visões do mundo das pessoas jovens, incorporando as suas vozes como elemento essencial no desenvolvimento do currículo. 
  • Como vimos, esse quadro de uma visão educativa holística, relacional e inclusiva, implica uma renovação nas profissionalidades das e dos atores educativos, com desvio de uma função transmissiva para uma função catalisadora. A ABRP criou espaço para a construção de uma relação de proximidade com o real, para a participação ativa das e dos jovens na construção do conhecimento, nos seus próprios termos, para a imersão e exercício de uma cultura democrática, para a exploração e construção do meio digital, enquanto dimensões da construção e desenvolvimento da sua cidadania educacional.

Autoria e apropriação do real

  • Resolução de um problema real, com efeitos na implicação das e dos jovens na educação, com ganhos em autonomia na procura de soluções e um incremento da confiança nas aprendizagens
  • Para a apropriação das aprendizagens por parte dos jovens, verificou-se ser essencial desenvolver soluções para problemas que afetam diretamente as suas vidas, assim reforçando a sua cidadania através da ABRP

Autoria e apropriação da construção do conhecimento

  • Apropriação de aprendizagens através de processos de investigação, de tomada de decisão e tentativa de resolução de problemas sociais, com maior questionamento sobre os temas e aumento de consciencialização sobre os problemas.
  • Autoria na construção do processo educativo. Mais do que criatividade e inovação, em alguns exemplos, assistiu-se a processos de autoria na construção do processo educativo, nomeadamente na identificação de problemas e de potenciais soluções

Autoria e apropriação da cultura democrática

  • Reivindicação de espaço para expressão democrática. Reclamação de tempos e espaços de debate. As e os jovens, na senda de um envolvimento dialógico na aprendizagem, apontam para a necessidade de mais debate, que os ritmos acelerados de trabalho, que também referem, não promovem. Referem que apresentar ideias e opiniões é um desafio que pode gerar desconforto, mas ao qual reconhecem valor no processo pedagógico. Reclamam um debate não só em sala ou em contexto educativo, mas alargado a espaços de decisão política.

Autoria e apropriação da cultura digital democrática

  • A ABRP surge como estímulo à literacia digital. A experiência ABRP em equipa e equipa-turma em contexto de “ensino remoto de emergência” permitiu perceber o potencial de aprendizagem em termos de participação em plataformas digitais. 
  • Destaca-se a importância de uma cultura de respeito democrático no espaço virtual, com regras de tomada de vez para falar, escutar, organizar o que partilhar com a turma, selecionar a informação que disponibilizarão, etc., aspetos que atravessam a literacia digital. Isto por requererem capacidade de avaliar criticamente e filtrar informação de fácil acesso e partilha pública. Importa referir que alguns e algumas jovens afirmaram interesse em experienciar a ABRP presencialmente.
  • As experiências realizadas nas diferentes instituições educativas (em sala virtual ou física) apontam para o potencial de adaptação ao contexto que a implementação da metodologia PBL permite.

Autoria e apropriação na construção de cidadania

  • As e os docentes reportaram a existência de casos específicos de estudantes, normalmente considerados desmotivados/as e sem autoconfiança e/ou com necessidades educativas especiais, que através da ABRP reivindicaram espaço para expressão de opiniões, e revelaram aumento de autoconfiança e um orgulho na autonomia das aprendizagens, dado o reconhecimento e a valorização do contributo pelos seus pares.
  1. Relevância das competências do século XXI para as e os estudantes

A ABRP permitiu a observação e experimentação de um conjunto de competências e aptidões identificadas como essenciais para o século XXI, quer pela OCDE, quer pelo Conselho da Europa (2016), que identificou 20 competências para inclusão no seu modelo de cultura da democracia, que inclui conjuntos de valores, atitudes, capacidades, e de conhecimentos e compreensão crítica, que vertem para o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, sob a forma de competências relacionais, sociais e profissionais para enfrentar os desafios e oportunidades, e que se pretendeu desenvolver durante as sessões de ABRP. Raciocínio e resolução de problemas, e relacionamento interpessoal foram as áreas de competência do perfil dos alunos que as e os jovens afirmaram ter desenvolvido mais na ABRP, seguidos de pensamento crítico e criativo, saber científico, técnico e tecnológico. Na perspetiva docente o relacionamento interpessoal foi a área de competência mais desenvolvida pelas e pelos estudantes, seguida de pensamento crítico e criativo, informação e comunicação, e desenvolvimento pessoal.

Raciocínio e resolução de problemas

  • Entendida como competência com forte transversalidade, em todos os momentos do processo
  • Para as e os docentes a participação e o envolvimento jovem na reflexão e ação, no âmbito do processo de resolução de problemas por si identificados, são potenciados em exercício de cidadania pelo desenvolvimento de competências, como a tomada de consciência sobre questões da atualidade e a responsabilização pela realização de escolhas, sendo que as aprendizagens ganham significado pois são ligadas ao concreto.

Saber científico, técnico e tecnológico

  • Desenvolvendo as etapas da metodologia e as competências de investigação

Pensamento crítico e criativo

  • Desenvolvendo maior exigência nas pesquisas, distinguindo factos de opiniões, buscando soluções para problemas identificados
  • As e os jovens reconhecem que o desenvolvimento da criatividade e do sentido estético esteve associado ao processo de resolução de problemas. Isto quer na utilização de ferramentas técnicas quer na reflexão crítica sobre o processo de aprendizagem que desenhavam e implementavam, e iam reajustando.
  • É reconhecido por jovens o desenvolvimento de uma maior autonomia na resolução de problemas, associando-a ao pensar crítico dos processos e resultados.  

Relacionamento interpessoal

  • Transversal ao processo de aprendizagem através do trabalho colaborativo, coordenado, com momentos de partilha na equipa, das equipas com a turma e com as e os consultores de outras turmas, bem como mobilizando colegas com competências distintas a diversos níveis 
  • O exercício de uma cultura democrática emerge na manifestação de respeito pelas opiniões de colegas, podendo reforçar a democracia em ação no quotidiano das escolas, em exercício de cidadania.

Desenvolvimento pessoal

  • De autoconfiança para expressão de pontos de vista e de autonomia na resolução de problemas, de iniciativa e de ação na construção do conhecimento, fazendo opções quanto aos percursos e estratégias a desenvolver

Informação e comunicação

  • Na medida em que apresentaram e discutiram ideias, fundamentando as suas posições e assumindo decisões
  • As apresentações à comunidade educativa das experiências ABRP também são referidas como um contributo para o desenvolvimento destas competências.
  1. Melhoria das práticas educativas em sala de aula por meio de metodologias participativas

A implementação do Projeto, ao longo de três anos, iniciou-se com uma imersão nos contextos, através de observação-participante, que deu acesso a uma compreensão das culturas e dinâmicas das instituições educativas e formativas. Tendo iniciado de forma presencial, a situação pandémica e os confinamentos obrigaram ao seu desenvolvimento online, com implicações na implementação com as e os jovens e na monitorização com jovens e profissionais. Apesar das dificuldades, a concetualização da educação no cruzamento entre arte, artesanato e ciência, implicando flexibilidade e abertura, facilitou o ajustamento às realidades confrontadas. Foi dada atenção particular às condições pedagógicas para implementação da ABRP enquanto prática promissora. Não cabendo aqui uma descrição de fundamentos e procedimentos, cabe acentuar o enraizamento do Projeto na articulação entre investigadoras e profissionais em exercício nas instituições educativas, bem como o investimento na formação em ação com as partes interessadas, enquanto autores e autoras de trajetórias educativas, com acompanhamento de proximidade e complementaridade entre stakeholders.

Melhoria de práticas com reconhecimento da cidadania educacional

  • Mostrando preocupações com a participação, as e os docentes salientaram o direito das pessoas jovens a serem ouvidas, não só como potenciador da autonomia e de responsabilização nas aprendizagens, mas também como possibilidade de aprofundamento de uma cultura de proximidade na escola, entre elas e com docentes. Os comentários das e dos docentes permitiram acentuar o lugar do PBL enquanto espaço de realização de cidadania educacional, não deixando também de mencionar as dificuldades sentidas na aplicação da metodologia. 

Melhoria de práticas com assunção de uma nova profissionalidade docente

  • Reflexão e questionamento docente sobre as suas práticas, passando o poder de decisão para os e as estudantes, enquanto, simultaneamente, permitindo-se mostrar as suas fragilidades
  • Disposição para abandonar a sua centralidade no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, mudança do papel de veículo de transmissão de conhecimentos para facilitadora ou facilitador das aprendizagens, permitindo desvios às planificações iniciais e maior flexibilidade, dando espaço para processos de tentativa-erro das e dos jovens, indicando caminhos, sem apontar as soluções
  • Referência das e dos jovens ao trabalho em equipa como um aspeto positivo do PBL, salientando o acompanhamento e a orientação docente e das e dos colegas como um aspeto que permitiu uma aprendizagem colaborativa, que enquadrou diferentes perspetivas e o aprofundamento dos temas em debate, nomeadamente pela pesquisa de conteúdos ser partilhada.

Melhoria de práticas pela redução da compartimentação curricular

  • Por mobilizar diferentes formas de saber e disciplinas, o PBL abre espaço para que as e os jovens os interligarem na definição e na pesquisa do problema e das potenciais soluções. Trata-se de ir além do desenvolvimento de competências de pesquisa e interpretação de conteúdos para incluir a definição de estratégias colaborativas na construção de conhecimento, em contexto. 

Melhoria de práticas com novas formas de fazer pesquisa

  • As e os jovens referem-se ao “trabalho de campo”, ao “sair às ruas”, como uma componente da pesquisa estimulante, com acompanhamento. A maior interação entre participantes é referida como aspeto relevante, valorizando a entreajuda que se gerou nos processos. Há estudantes que referem preferência por um acompanhamento mais direcionado na implementação dos passos do projeto, esclarecendo a necessidade de uma planificação definida por outrem.

Para citar (APA7): Edutransfer (2022). Transferibilidades: Principais achados  [website]. 
https://edutransfer.fpce.up.pt/transferibilidades-principais-achados/#